Por Gazeta do Povo [13/04/2020] [19:54]
Duas decisões liminares do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, trouxeram a sombra da insegurança jurídica para um tema que, hoje, é prioridade absoluta em tempos de caos sanitário e econômico causado pela pandemia do coronavírus: a possibilidade de acordos individuais entre patrões e empregados para redução de salário e jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Essa possibilidade estava prevista na Medida Provisória 936, que estabeleceu também uma série de outras providências que poderiam ser adotadas, em comum acordo entre empresas, trabalhadores e sindicatos, para a manutenção dos empregos enquanto durarem a pandemia e as restrições à atividade econômica, que impactarão duramente a receita das empresas.
O centro da questão não era a possibilidade de reduzir salário e jornada, pois essa medida está inclusive na Constituição. O que levou a Rede Sustentabilidade a acionar o Supremo era o fato de a MP permitir que tais acordos fossem feitos de forma individual e sem a mediação dos sindicatos, dependendo do salário dos trabalhadores envolvidos, o que feriria o artigo 7.º, inciso VI da Carta Magna. Em 6 de abril, Lewandowski escreveu em decisão liminar que “tudo indica que a celebração de acordos individuais de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho, cogitados na Medida Provisória, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto na Constituição”.
A MP já obrigava as empresas a comunicar os sindicatos laborais em até dez dias a respeito de qualquer acordo individual, mas Lewandowski foi além e afirmou que o aviso era necessário “para que este [o sindicato], querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes”. Em outras palavras, diante de um acordo individual, o respectivo sindicato teria a opção de ou iniciar uma negociação coletiva ou simplesmente não se manifestar, o que seria entendido como um consentimento. Apesar de o ministro não ter imposto um prazo específico para a resposta dos sindicatos, ele citou “prazos estabelecidos na própria legislação laboral para a negociação coletiva” e mencionou o artigo 617 da CLT, que fala em oito dias – reduzidos para quatro enquanto durar o estado de calamidade pública, de acordo com o artigo 17 da MP 936.
Como um complicador, Lewandowski ainda escreveu, na mesma liminar, que “os acordos individuais somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados”. Esta foi a interpretação amplamente adotada após a publicação da decisão e, considerando os prazos descritos na liminar, ela deixaria os acordos em suspenso por um intervalo que, diante da gravidade da crise imposta pelo coronavírus, poderia fazer grande diferença. Nesta segunda-feira, em resposta a um recurso da Advocacia-Geral da União (AGU), Lewandowski mudou de entendimento e afirmou que “são válidos e legítimos os acordos individuais celebrados na forma da MP 936/2020, os quais produzem efeitos imediatos”.
Uma semana de insegurança jurídica a respeito de algo tão fundamental como a manutenção de um emprego é algo que um ministro de suprema corte não pode se dar ao luxo de promover. E nem se pode dizer que a nova decisão elimina da vez as controvérsias, pois, embora a liminar não preveja explicitamente a possibilidade de um sindicato simplesmente recusar um acordo individual que lhe foi comunicado, há a chance de a entidade deflagrar negociação coletiva e dificultá-la ao máximo, ainda que atropelando o interesse dos funcionários envolvidos.
Com milhões de empregos em risco e empresas sem capital de giro para sobreviver, é inexplicável que o país tenha de esperar dez dias para ver a questão resolvida definitivamente – a liminar de Lewandowski é de 6 de abril; no dia seguinte, o ministro liberou a ação para julgamento do plenário e o presidente da corte, Dias Toffoli, a pautou apenas para a próxima quinta-feira, dia 16. A hora pede celeridade e clareza, sem discussões intermináveis, sem pedidos de vista, sem ambiguidades. O Supremo já perdeu tempo demais enquanto a economia desmorona país afora; que resolva a questão já nesta quinta-feira, e de uma forma que não deixe margem para nenhuma dúvida. Que a corte reconheça a liberdade do trabalhador, liberdade essa que, “especialmente em época de crise, quando a fonte do próprio sustento sofre risco, há de ser preservada”, nas palavras do também ministro Marco Aurélio em decisão a respeito de outra MP, a 927. Os ministros têm nas mãos uma decisão que afetará o sustento de milhões de famílias, e não há margem para erro ou indecisão neste momento.
ASCOM/ITZ