Fake news sob a perspectiva do Direito Penal

A questão das fake news se torna especialmente grave quando utilizadas com a intenção de manipular a opinião pública, principalmente em ano de eleições.

O Brasil, na iminência de eleições presidenciais, possui vários projetos de leis que visam criminalizar a divulgação de informações falsas.

O Brasil, na iminência de eleições presidenciais, possui vários projetos de leis que visam criminalizar a divulgação de informações falsas. (Roque de Sá/Agência Senado)

Por Filipe Augusto Silva*

Devido à facilidade de propagação rápida de informações, a internet é uma ferramentas muito utilizada atualmente. Este recurso, porém, tem sido usado para divulgar notícias falsas ou imprecisas, mais conhecidas como fake news, com o objetivo de enganar, prejudicar, confundir ou, até mesmo, manipular as pessoas. A disseminação de tais notícias tem o potencial de se tornar “viral”, principalmente quando se alinham às ideias de determinado grupo, pois não serão checadas ou questionadas para serem repassadas.

A questão das fake news se torna especialmente grave quando utilizadas com a intenção de manipular a opinião pública, principalmente em ano de eleições, o que levou países como Alemanha e França1 a apresentarem leis para combater o seu uso. Seguindo esta mesma linha, o Brasil, na iminência de eleições presidenciais, possui vários projetos de leis que visam criminalizar a divulgação de informações falsas.

O primeiro projeto de lei nesse sentido foi o 6812/17, apresentado na Câmara dos Deputados, que estabelece que “constitui crime divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica”, atribuindo uma pena de detenção de dois a oito meses, e pagamento de 1500 a 4000 dias-multa. Após a apresentação deste projeto, outros seis, com conteúdo semelhante, também foram apresentados e apensados ao PL 6812/2017.

No Senado foi apresentado o PL 473/17, que estabelece como crime “divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante”, atribuindo uma pena de detenção de seis meses a dois anos e multa. Porém, caso o agente pratique a conduta através da internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia, a pena será de um a três anos de reclusão.

Diante dessa situação, indaga-se: a criminalização da conduta de divulgar ou compartilhar notícia falsa, nos termos pretendidos pelos projetos de lei supracitados, estaria de acordo com os princípios que regem o Direito Penal? Para responder esta pergunta, analisa-se dois destes princípios.

Primeiramente, o princípio da intervenção mínima prega que o Direito Penal não interferirá excessivamente na vida do indivíduo, a ponto de lhe retirar a autonomia e liberdade, sendo utilizado somente como última medida, ou seja, quando os demais ramos do Direito falharem. Assim, evita-se a banalização da punição, bem como o descrédito e ineficiência dos dispositivos de Direito Penal, ao tentar usá-lo como solução para todo e qualquer conflito.

Diante desse princípio, acredita-se que seria imprudente criminalizar a conduta de divulgação ou compartilhamento de fake news, a qual sequer foi discutida a fundo, sendo ainda uma questão recente que, provavelmente, possa ser resolvida na esfera cível ou, até mesmo, fora do Judiciário, através da adoção de medidas educativas. Destaca-se, ainda, que a criminalização desta conduta tem levantado debates sobre a violação da liberdade de expressão do indivíduo, o que infringiria referido princípio. Por isto que, antes de se considerar a solução pelo Direito Penal, o problema tem de ser analisado mais profundamente.

Por fim, o princípio da taxatividade, estabelece que as condutas criminosas devem estar descritas na lei de maneira clara e bem definida, de modo a não deixar nenhuma dúvida, visto que a elaboração de normas penais ambíguas e carregadas de termos valorativos, possibilita o abuso pelo Estado. Neste sentido, qual seria a definição de “notícia falsa”, no contexto dos projetos de leis supracitados? Na falta de uma definição objetiva, a determinação da veracidade ou falsidade das notícias ficaria a cargo de autoridades policiais e judiciárias, através do exercício de suas convicções pessoais, o que violaria, evidentemente, referido princípio.

Conclui-se, portanto, que a questão da divulgação ou compartilhamento de fake news exige um estudo mais detalhado, antes que se cogite a sua tutela pelo Direito Penal.

Referências

BRASIL. PL 6812/17. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122678. Acesso em 31/03/2018.

BRASIL. PL 473/17. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131758. Acesso em 31/03/2018.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

1) Sobre o assunto, ver: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,noticias-falsas-sob-ataque-na-europa,70002142169.

*Filipe Augusto Silva é advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, mestre em Direito.

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