O direito à liberdade de manifestação e pensamento previsto na Constituição não autoriza ofensas que possam ferir a honra e dignidade de uma pessoa.
Por Josiele de Abreu Dias*
A disseminação de notícias falsas é algo que pode abalar a reputação de uma pessoa ou mesmo de uma empresa, uma vez que fake news são utilizadas para manipular contextos. Por isso, é crescente a preocupação em se criar mecanismos de controle que evitem a propagação de notícias falsas. Exemplo disso é o Conselho Consultivo instituído pelo Tribunal Superior Eleitoral para estudar soluções para o problema, sobretudo em ano eleitoral.
Na esfera penal, além da possibilidade de condenação em crime contra a honra (calúnia, injúria ou difamação), existe hoje alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com o intuito de tipificar a criação ou compartilhamento de notícias falsas como ilícito penal.
No tocante à responsabilidade civil, quem produz ou compartilha informações falsas pode ser condenado a ressarcir a vítima se houver danos morais ou materiais.
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” (artigo 220 da Constituição Federal de 1988). Contudo, é necessário esclarecer que esse direito deve respeitar:
- a vedação ao anonimato;
- o direito de resposta proporcional ao agravo;
- o direito à indenização por dano material, moral ou à imagem;
- a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra das pessoas.
A responsabilização por publicação de fake news pode gerar dúvidas a respeito do direito à liberdade de expressão e pensamento. É claro que a liberdade de manifestação do pensamento é o direito de qualquer um manifestar livremente suas opiniões, ideias e pensamentos sem medo de retaliação ou censura. Mas é importante esclarecer que o direito à liberdade de manifestação e pensamento previsto na Constituição e em outros dispositivos legais, não autoriza ofensas que possam ferir a honra e dignidade de uma pessoa.
Se ao exercer a liberdade garantida na Constituição uma pessoa ofender a dignidade de outra, surge então o direito de indenização que pode ser configurado em dano moral e/ou material, sendo que estes não se confundem e podem ser cumulados em um único processo civil.
O dano moral é aquele que afeta a personalidade, a moral e a dignidade da pessoa e decorre da própria ofensa, pela força dos próprios fatos. A princípio, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano. Na indenização por dano moral, deve ser analisada a ofensa à honra subjetiva (apreço à própria dignidade) e a honra objetiva (valoração de terceiros, reputação, a boa ou má fama).
O dano moral também não se confunde com o mero aborrecimento ou dissabor. O mero aborrecimento cotidiano é entendido como fato imperceptível, que não atinge a personalidade do indivíduo, sendo um fato da vida e, portanto, não repercutindo ou alterando o aspecto psicológico ou emocional de alguém. Na prática, em uma demanda judicial o caso será analisado minunciosamente através de ampla defesa e contraditório para que se possa chegar a uma decisão justa para o caso concreto, evitando-se, assim, que haja um incentivo à indústria do dano moral, bem como que lesão à dignidade da pessoa fique impune.
O dano material por sua vez, é o prejuízo financeiro. É necessário que o prejudicado seja capaz de demonstrar que a publicação da notícia falsa foi a causa de seu prejuízo, não sendo possível a indenização por dano presumido. O dano material poderá ocorrer por uma diminuição do patrimônio da vítima, ou seja, o que ela perdeu/gastou (dano emergente) ou ainda pelo que a vítima razoavelmente deixou de auferir em função daquele prejuízo ocasionado (lucro cessante).
A reparação civil deverá ser aplicada de forma justa e proporcional, sem gerar enriquecimento ilícito, sobretudo na apuração do dano moral, que deve levar em conta o caráter punitivo/pedagógico da indenização. Para isso, é necessário balancear a situação econômica das partes, o dano sofrido pela vítima de uma notícia falsa e a repercussão dessa publicação em sua vida.
Os tribunais brasileiros têm reconhecido o direito à indenização no caso de publicação ou compartilhamento de fake news, o que é fundamental para inibir esse comportamento tão danoso.
Como não só a criação, mas também o compartilhamento podem ser causa de indenização, é importante que ao se deparar com uma informação nas redes sociais, o usuário consulte se algum site jornalístico já publicou o fato e as fontes da publicação para evitar incorrer em um processo judicial.
Portanto, o princípio constitucional da liberdade de manifestação do pensamento deve ser exercido com consciência e responsabilidade, evitando-se gerar motivações para indenização por dano moral e/ou material.
*Josiele de Abreu Dias é advogada, servidora pública, pós-graduada em Direito Público.