De advogado para advogado
Abrindo a divergência
Caro colega, dileto amigo!
Permita-me abrir a divergência sobre o tema, o fazendo pelos aspectos jurídicos e políticos que se lhes são inerentes.
Contudo, ressalvo a qualidade da sua assertiva, elaborada por um promissor advogado, cuja habilidade revela-se incontestável, principalmente porque detém visão crítica aguçada. Só os que pensam como águia conseguem voar como águia…
Ei-lo ao debate.
Segundo a Súmula Vinculante 11, editada pelo STF, o uso de algemas deve ser entendido como procedimento que só será lícito “em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros…”
Portanto, convolando a elucidativa dicção da norma pretoriana ao caso concreto não cabia o acorrentamento do notório bandido Sergio Cabral já que não estavam ali presentes os critérios objetivos autorizadores.
Em apertada análise, temo que a situação enfrentada é paradoxal àquela exemplificada por Vossa Excelência, porque nem de longe se assemelha à observada quando de recambiamento de traficantes, assaltantes e bandoleiros, facínoras, com histórico de violência, mercê de resgate por seus comparsas ou alvo fácil de justiçadores concorrentes do crime.
Cediço que o tipo Cabral não usa arma de fogo ou algo que o valha muito embora seja a corrupção de altíssima letalidade. Convenhamos, cá entre nós, qual o risco que Cabral oferecia, senil político, desarmado, desarticulado e sob a alça de mira de encapuzados?
Nesse diapasão, como sói acontecer, não vislumbrei qualquer procedência no acorrentamento de Sergio Cabral.
Noutra quadra do debate, já palmilhando a seara política, o espetáculo do chamado “acorrentamento Cabral” serve apenas para, de um lado, demonstrar que o Estado pode tudo, mais do que a lei, mais do que Carta Magna, mais, inclusive que o próprio guardião da Constituição Federal, a Suprema Corte; e de outro lado, serve apenas como aquele pano que o toureiro usa para despistar o touro e esconder a espada que matará o furioso animal no final do espetáculo do qual a própria vítima ajudou protagonizar. Ou seja, o povo que aplaude e que colabora com o triste espetáculo é o mesmo que o estado, ao final, abaterá, usando da mesma arma: autoritarismo.
Ouso dizer ainda, mesmo com o risco de ser apedrejado, que o picadeiro da PF, autorizado pelo “super-Moro”, serve para esconder do povo, já quase abatido, que a nossa Lei Penal é condescendente com o crime; que no Brasil por mais atroz seja o bandido só pode ficar na cadeia o máximo de 30 anos, e por ter direito a indulto, a progressão de regime, redução de pena, prisão albergue, não paga a pena como deveria pagar. Digo, que esses espetáculos midiáticos servem para esconder que o sistema judiciário é pouco confiável, ineficiente e absurdamente caro; serve para esconder o debate sobre o endurecimento da Lei Penal para notórios bandidos; serve para ocultar o sentimento popular segundo o qual já tá passando da hora a inserção da prisão perpétua para assassinos contumazes, traficantes, latrocidas, pedófilos, estupradores e corruptos inveterados; serve, também, o escárnio para renegar a proposta que há muito dorme esquecida no Congresso que prevê a submissão de presidiário ao trabalho para contribuir com o elevado custo do encarceramento; por fim, serve, ainda, o coliseu de Moro para empurrar à embargo eterno a aprovação da lei que pune abusos de autoridades e que poderia possibilitar a exoneração, por justa causa, de juizes, promotores, delegados e outros agentes do estado que se valem do exercício da função pública para fazer ativismo ideológico, com claro viés eleitoreiro.
Nesse compasso, eis a minha divergência, nutrida por quem ainda não perdeu a capacidade de indignação, mesmo quando submetido a sedução do espetáculo estatal, com show de “pirotecnia jurídica” e outras coisas mais.
Grande abraço.
Daniel Pereira de Souza, advogado.